domingo, 10 de fevereiro de 2013

Santa Rita é notícia - Empreendedores criam polo eletromédico


Empreendedores criam polo eletromédico

O dia 16 de janeiro de 2006 marcou para sempre a vida do jovem administrador Paulo Vlady, hoje com 31 anos. Ele voltava para casa, em Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas, quando um automóvel entrou na contramão e colidiu com sua moto. Sua perna esquerda ficou estraçalhada, como ele mesmo diz. Na verdade, houve fraturas expostas, esmigalhamento de osso e perda óssea. Os médicos chegaram a dizer que a perna teria de ser amputada. Vlady não aceitou essa possibilidade e continuou se submetendo aos tratamentos possíveis e que estavam ao seu alcance.
No total, foram cinco cirurgias e sete meses gastos em hospitais. A princípio, ele só queria saber de se recuperar para poder voltar a trabalhar. Mas as observações das rotinas hospitalares que fazia durante os tratamentos o levaram a pensar na criação de equipamentos para o setor.
“Percebi uma necessidade muito grande de tecnologia na área médica, porque ou eram equipamentos muito complexos, que exigiam soluções muito elaboradas, ou, na outra ponta, havia um pessoal fazendo as coisas de forma artesanal. Eram aparelhos de 1940 que não tinham evoluído”, conta. “A ideia era fazer equipamentos que conseguíssemos propor tecnologias modernas a baixo custo.”
Em 2007, a vontade empreendedora de Vlady resultou na criação, em conjunto com mais dois sócios – um engenheiro e um médico –, da Biotron, que nasceu na incubadora Prointec. No entanto, como os produtos eletromédicos requerem um longo período para chegar ao mercado, a empresa passou, estrategicamente, a produzir inicialmente para o segmento odontológico, até que as demais ferramentas pudessem ser lançadas.
“O segmento odontológico é mais aberto e tão necessitado quanto o médico de tecnologia. Aproveitando toda estrutura e todo know-how que tínhamos, começamos a desenvolver produtos para essa área, como o negatoscópio (um visualizador de radiografias). Tivemos uma aceitação muito boa, e os próprios clientes começaram a sugerir novos produtos.” Os primeiros chegaram ao mercado em 2008, quando os dois primeiros sócios já tinham deixado a empresa. Uma administradora passou a fazer parte da Biotron.
“Até o ano passado, produzíamos exclusivamente para dentistas. Agora, em 2013, já temos outras parcerias, e os equipamentos que desenvolvemos para o segmento médico serão lançados. Conseguimos os registros e vamos começar a colocá-los no mercado”, diz Vlady, que se recuperou do acidente.
Um desses equipamentos mede o estímulo que o cérebro emite para o músculo comprometido e a capacidade com que este sinal está sendo recebido. Ele consegue identificar qual é o nível de debilidade do músculo e, à medida que se faz o tratamento, consegue apurar a evolução da recuperação e fazer uma previsão de em quanto tempo, mantendo o tratamento naquele ritmo, o paciente terá sua capacidade motora restabelecida. É indicado para vítimas de acidentes, pessoas que sofreram um AVC e até para atletas que lutam contra lesões.
Para o empresário, foi decisivo estar no chamado vale dos eletrônicos, a região de Minas onde estão Itajubá e Santa Rita do Sapucaí. A região forma um dos maiores centros tecnológicos do País, congregando conhecimento nas áreas de eletrônica, informática e comunicações, graças a pesquisas consideradas inovadoras e ao processo de incubação de empresas. De acordo com o Sebrae, esse quadro propicia um clima que estimula a criação e o desenvolvimento de micro e pequenos empreendimentos.
Há um caldo de cultura que ajudou não apenas Paulo Vlady a dar o pontapé inicial na Biotron, mas também várias outras pessoas a criar empresas na região, também chamada de Vale do Silício brasileiro. “O fato de estarmos aqui já é uma grande vantagem competitiva. Aqui temos várias empresas que prestam serviços na fase de produção”, diz Vlady. “Há uma empresa que faz a gestão de componentes na placa, outra faz a injeção plástica, outra que faz toda a parte mecânica. A minha responsabilidade como indústria é desenvolver o projeto, montar os protótipos, fazer a unificação das partes, teste e certificação.” Ele até monta alguns produtos, mas aqueles que têm menor volume de escala de produção. “Mas faço a integração de todos.”
Na mesma época da Biotron, que tem uma linha de 25 produtos – como negatoscópio slim e com LED, acionadores elétricos, máquinas de biossegurança, câmara intraorais – e pretende lançar um a cada dois meses neste ano, começaram a surgir outras empresas interessadas no mercado de eletromédicos.
Uma delas é a AutHosp. O sócio, Diovani Gomes Ribeiro, de 30 anos, conta que durante o curso de automação industrial, em Itajubá, queria aproveitar a tecnologia para criar algo de valor para a sociedade. Desse desejo, veio a ideia de criar produtos eletromédicos. Passou, então, a pesquisar sobre o tema, e encontrou um professor, que tinha, segundo Ribeiro, uma ideia para um produto “revolucionário”.
“Trata-se da cadeira que produzimos hoje. Ela é voltada para o tratamento de feridas e queimaduras”, conta. “O professor era um profissional da área, sabia que havia uma demanda muito grande para isso. Ele sabia o que queria, mas não sabia como fazer. Eu sabia como fazer e não sabia qual era demanda. Somamos as duas forças e a companhia nasceu na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica de Itajubá (Incit).

O acadêmico acabou deixando a sociedade, mas o projeto de desenvolver a cadeira continuou e já está hoje à venda. Com ela, são 38 produtos fabricados pela AutHosp, como maca elétrica, biombos e armários, entre outros. Em 2012, a AutHosp faturou R$ 1,2 milhão, tem entre seus clientes hospitais públicos e privados, clínicas e unidades de saúde das Forças Armadas. E deve começar, neste ano, a exportar para a América Latina.
A Lifetec, criada em 2008, teve o apoio da incubadora do Inatel. Tem três sócios: a administradora Andreia Malaquias dos Santos, o médico e dentista Fernando Henrique de Faria, e o engenheiro Marcelo Henrique Vieira, do Inatel. Hoje, a empresa é associada à incubadora Prointec e conta com o apoio do Sebrae. “Com este apoio, conseguimos ter capacitação e nos tornamos uma empresa com destaque em inovação”, conta Andreia, lembrando que a Fifetec foi a primeira a fabricar negatoscópio em LED no Brasil e prevê lançar cinco novos produtos neste ano.

Conhecimento e mão de obra qualificada

Não é à toa que as empresas voltadas para o mercado de eletromédicos surgem naquela região do sul de Minas Gerais. “Todo dia nasce empresa aqui no vale dos eletrônicos”, diz Andreia Malaquias dos Santos, da Lifetec.
O “vale dos eletrônicos” é uma região de estímulo ao empreendedorismo, ao unir conhecimento e apoio a empresas nascentes. “Aqui em Santa Rita do Sapucaí, encontramos engenheiros formados pelo Inatel na área de biomédica, temos mão de obra na área de administração, formada pela Faculdade de Administração e Economia (FAE), há a escola técnica de eletrônica, onde se encontra mão de obra especializada”, acrescenta a empresária Andreia.
Paulo Vlady, da Biotron, afirma que, se não fosse a região, seu projeto nunca teria se concretizado. “Aqui, existem muitas empresas, todas com esse viés tecnológico, o que propicia um relacionamento mais fácil, não só pela proximidade logística, mas pela interação, pela troca de informações, conhecimento tecnológico. Aqui todo mundo fala a mesma língua. Não há aquela dificuldade de explicar para o fornecedor que um certo componente precisa de aterramento, que tem de ter aquele cuidado com embalagem. É muito complexo. Aqui é tudo automático, você fala que quer a placa pronta, e o fornecedor já entrega tudo mastigado”, alega Vlady.
Esse clima leva empreendedores e empresas a desenvolver produtos inovadores que possam ter um bom valor agregado. Diovani Gomes Ribeiro, da AutHosp, afirma que sua companhia foi a primeira no mundo a desenvolver a cadeira tecnológica para auxiliar no tratamento de feridos e queimados principalmente na parte inferior do corpo, embora existissem outras semelhantes, mas não automatizadas e para essa finalidade.
Com ela, o paciente, muitas vezes obeso, é colocado numa posição confortável, simplesmente acionando um botão, e que também proporciona ergonomia ao profissional de saúde para que ele venha manusear o paciente.
Ribeiro lembra que o procedimento agiliza o atendimento hospitalar, e o profissional pode fazer até cinco vezes mais atendimentos com menos desgaste. Ela garante que o produto tem um preço atraente.
“Como tem tecnologia, tem um valor agregado um pouco maior. Mas tentamos fazer um equilíbrio entre um bom preço e a qualidade para não ficar muito oneroso”, comenta Ribeiro, sem revelar o valor.
A busca por produtos inovadores, com tecnologia e bom valor agregado é a marca das empresas da região, segundo dizem seus sócios.


Sebrae auxilia empresas do setor

O Sebrae de Minas Gerais criou o Projeto de Desenvolvimento do Setor Eletromédico do Sul de Minas com o objetivo de consolidar a competitividade e estimular a inovação do polo no mercado. A entidade auxilia os empreendedores em processos de gerenciamento e de gestão , na obtenção de certificações e na captação de recursos. De acordo com Rodrigo Pereira, técnico do Sebrae em Santa Rita do Sapucaí, um passo inicial do projeto foi a criação do Grupo das Empresas de Produtos e Serviços para a Saúde (GEPSS).
O apoio da entidade contribui no desenvolvimento do produto, na sua adequação ao mercado e às exigências de certificação feitas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O selo da agência e mais o do Inmetro são pré condição para que os produtos cheguem ao mercado.
O Sebrae também promove a capacitação para que as empresas possam lançar mão de boas práticas de fabricação e dá apoio no processo de acesso ao mercado, como na participação em feiras e exposições.
De acordo com o técnico, as empresas procuram criar equipamentos com o diferencial baseado na inovação e com valor agregado vindo principalmente com a substituição de importações, já que este é um dos objetivos do projeto. Pereira lembra que a construção de um hospital modelo, que entrará em atividade no meio deste ano, vai aumentar a demanda por produtos do segmento.
(Fonte: Cláudio Marques – Estadão em 05/02/2013)
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