terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Ninguém vive sem um pouco de poesia... - Maria do Rosário Pedreira

Lê , são estes os nomes das coisas que
deixaste – eu, livros, o teu perfume
espalhado pelo quarto; sonhos pela
metade e dor em dobro, beijos por
todo o corpo como cortes profundos
que nunca vão sarar; e livros, saudade,
a chave de uma casa que nunca foi a
nossa, um roupão de flanela azul que
tenho vestido enquanto faço esta lista:

livros, risos que não consigo arrumar,
e raiva – um vaso de orquídeas que
amavas tanto sem eu saber porquê e
que talvez por isso não voltei a regar; e
livros, a cama desfeita por tantos dias,

uma carta sobre a tua almofada e tanto
desgosto, tanta solidão; e numa gaveta
dois bilhetes para um filme de amor que
não viste comigo, e mais livros, e também
uma camisa desbotada com que durmo
de noite para estar mais perto de ti; e, por

todo o lado, livros, tantos livros, tantas
palavras que nunca me disseste antes da
carta que escreveste nessa manhã, e eu, 
eu que ainda acredito que vais voltar, que
voltas, mesmo que seja só pelos teus livros.
(Maria do Rosário Pedreira)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Persona - Churchill

Winston Leonard Spencer-Churchill (Oxfordshire, 30 de Novembro de 1874 – Londres, 24 de Janeiro de1965) 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Ninguém vive sem um pouco de poesia... - Mia Couto

Lições
Não aprendi a colher a flor
sem esfacelar as pétalas.
Falta-me o dedo menino
de quem costura desfiladeiros.

Criança, eu sabia
suspender o tempo,
soterrar abismos
e nomear as estrelas.
Cresci,
perdi pontes,
esqueci sortilégios.

Careço da habilidade da onda,
hei-de aprender a carícia da brisa.

Trémula, a haste
me pede
o adiar da noite.

Em véspera da dádiva,
a faca me recorda, no gume do beijo,
a aresta do adeus.

Não, não aprenderei
nunca a decepar flores.

Quem sabe, um dia,
eu, em mim, colha um jardim?
(Mia Couto)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Ninguém vive sem um pouco de poesia... - Marina Colasanti

Rota de Colisão

De quem é esta pele
que cobre a minha mão
como uma luva?
Que vento é este
que sopra sem soprar
encrespando a sensível superfície?
Por fora a alheia casca
dentro a polpa
e a distância entre as duas
que me atropela.
Pensei entrar na velhice
por inteiro
como um barco
ou um cavalo.
Mas me surpreendo
jovem velha e madura
ao mesmo tempo.
E ainda aprendo a viver
enquanto avanço
na rota em cujo fim
a vida
colide com a morte.
(Marina Colasanti)

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Ninguém vive sem um pouco de poesia... - Ferreira Gullar

Ano Novo
Meia-noite. Fim
de um ano, início
de outro. Olho o céu:
… nenhum indício.


Olho o céu:
o abismo vence o olhar.
O mesmo espantoso silêncio
da Via-Láctea feito
um ectoplasma
sobre minha cabeça
nada ali indica
que um Ano Novo começa.


E não começa
nem no céu nem no chão
do planeta:
começa no coração.


Começa como a esperança
de vida melhor
que entre os astros
não se escuta
nem se vê
nem pode haver:
que isso é coisa de homem
esse bicho
estelar
que sonha
(e luta).
(Ferreira Gullar)
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