quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Historinhas - Houve ou não ouve?

Houve ou não ouve?

Essa historinha faz parte do folclore da família Sancho-Telles. Provavelmente ela vai ser contada mais uma vez (Milésima??? Talvez mais.) nesse Natal, quando estaremos todos reunidos. É nessas horas que a memória aflora e a lembrança coloca a cabeça para fora e vem tomar um pouco de ar para estar sempre revigorada. Pena que a protagonista do fato não esteja presente (Será???) para tornar o nosso riso mais fácil. Certamente nosso coração ouvirá a vozinha da irmã que ganhou asas e foi alegrar outro lugar.
Quando éramos crianças morávamos em uma casa com três quartos. Família grande, casa pequena. Havia a seguinte divisão: quarto do pai e da mãe, quarto dos homens e quarto das mulheres. Como as mulheres eram em maior número, foi preciso até colocar camas-beliche para caber todo mundo. Era o mais animado, era lá que aconteciam as melhores brincadeiras e os risos mais escandalosos.
Nove horas, todo mundo para a cama. Essa era a lei.
Todo mundo sem sono. Era hora das brincadeiras sussurradas e dos gritinhos contidos para não chamar a atenção do pai, que assistia à televisão, na sala ao lado.
Adorávamos brincar de Sílvio Santos com “A palavra é...”. Alguém dizia uma palavra e as outras tinham que adivinhar qual era a música pensada pela pessoa e que continha essa palavra. A cada acerto, ganhava-se um ponto. Era um campeonato e os pontos eram acumulados dia após dia até não sei quando.
Fernanda era bem pequena, quase que só conhecia cantigas de roda, mas insistia em participar. Se não deixássemos, abria um berreiro. Então, a melhor política era ceder e tentar descobrir as que ela pensava. Era uma boa chance de ganhar uns pontos, pois suas músicas, quase sempre, eram facílimas.
Ela dizia:
_ A palavra é CRAVO.
E alguém respondia cantarolando:
_ O cravo brigou com a rosa...
Ou então, na rodada seguinte:
-A palavra é ROSA.
_O cravo brigou com a rosa.
Estava ganho o ponto.
Nesse dia, ela falou:
_ A palavra é HOUVER.
Lúcia, que era a melhor no jogo e ganhava sempre, logo atacou de Dolores Duran e iluminou “A noite do meu bem”:
_ Hoje, eu quero a rosa mais linda que houver...
E a Fê, toda empolgada:
- Não, não é essa!!! Desiste?
Eu tirei do fundo do baú da memória a Vingança do Lupicínio Rodrigues que eu cansava de ler no caderno de música do meu pai. (Achava linda essa música e todo aquele desabafo de coração partido):
_ Mas enquanto houver força em meu peito, eu não quero mais nada. Só vingança, vingança, vingança...
E ouvi.
_Não... Não... Desiste?
E a gente respondia:
-Não.
Vasculhávamos todo o repertório conhecido e nada. Íamos do Noel Rosa até Roberto Carlos, ídolo de quem sabíamos todas as músicas, e não achávamos um “houver” sequer. Dentro de nossa cabeça rodopiavam os boleros, os sambas e todos os gêneros musicais. Repassamos até as cantigas de roda mais conhecidas e nada.
Pela luz que entrava pelas gretas da janela era possível ver a carinha de satisfação da minha irmã caçula. Naquela hora, a vingança era dela.
-Desiste?
Nessas alturas, já estávamos quase gritando:
-NÃO...
Era uma questão de honra. Aquela menininha não podia saber mais que nós.
Durante algum tempo foram repetidas a pergunta e a resposta.
_Desiste?
_Não...
Depois de um tempo, respondemos:
_SIM... Desistimos.
Ela então, mais que satisfeita, cantou a plenos pulmões:
_ Quando o HOUVER no chegar, eu quero estar junto a ti... Pode o outono voltar, eu quero estar junto a ti...
Rimos muito alto até ouvirmos o psiu que vinha do lado de fora da porta. (Se o Tim Maia já estivesse morto, até ele iria se revirar no túmulo).
Vocês acreditam? Ela, além de entrar para a história da família, ainda queria ganhar o ponto...

7 comentários:

  1. Adorei essa história familiar !!!

    Meu filho, quando bem pequenino, dizia para mim: "canta o penaquito", e eu não sabia que penaquito era aquele.
    Depois de muito tempo eu descobri. Era aquela música que diz: "brilha, brilha, estrelinha PENA QUE TU não és minha" !!!!!

    Virou história familiar, sempre relembrada !

    Beijo

    ResponderExcluir
  2. São essas histórias armazenadas na memória que constroem a identidade de uma família. É tão bom isso. Obrigada pela visita.

    ResponderExcluir
  3. Preta do meu coração.
    Lembramos essa historia sempre e damos boas risadas.
    Mas hoje lendo, fiquei com os olhos cheios de lágrimas.
    Quanta saudade!!!
    Gostaria muito que voce contasse aquela historia que aconteceu com voce, qdo a mamãe mandou voce ir no armazém do Pucheu!!!
    Se voce não contar, cuidado que vou contar pra todo mundo.
    Acho que todos merecem saber dela.
    Foi muito engraçada.
    Beijos

    ResponderExcluir
  4. Oi, mana. Já pensei em contar. qualquer hora fico inspirada e escrevo. Beijos.

    ResponderExcluir
  5. A Inocência infantil sempre nos faz assombro e provoca risos. Nessas histórias familiares principalmente, ela é pivô de muitas horas de memórias e saudosismos.
    Lembro-me da família reunida, sentados na sala da casa velha, casa pequena para tantos filhos já casados e eu, menina ainda, lá pelos 6 anos, escutava a conversa dos adultos, que pouco se importavam com a presença da irmã caçula, que de tantos anos de diferença na idade, nem parecia fazer parte da família.
    Contava um, que havia passado férias na praia, o tamanho diminuto dos biquínis que havia visto. O ciúme da esposa provocou vários comentários maldosos e a resposta dele foi:
    — Imaginem, sou Virgem...
    Com toda a inocência, eu retruquei.
    — Virgem aqui, só a mamãe...
    O riso rompeu na sala, e eu, sem saber o que havia dito de tão engraçado, acrescentei:
    —É sim, Virgem aqui, só a mamãe...!
    Um puxão de orelhas e o “Vai pra cama menina, isso não é conversa pra criança”...
    Passei muito tempo tentando entender o que havia "oculto" em minhas palavras...

    ResponderExcluir
  6. Que gostosura! Outra crônica, Ana Lúcia. Li para o Osmar e ele adorou. Continue escrevendo. Quem sabe um dia, publicamos juntas o livro "Os causos das santarriteiras". Beijos.

    ResponderExcluir
  7. Quem sabe, Nidia.Seria muito bom.
    "Causos" não faltarão

    ResponderExcluir

Adorei receber sua visita!
Ler seu comentário, é ainda melhor!!!
Responderei sempre por aqui.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...