quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Gostei...- De volta à sala de aula

Pessoas com mais de 60 anos voltam para a sala de aula

Mestre de obras de 82 anos passa no vestibular da PUC Minas e aceita o desafio de conquistar o diploma





O velho ditado “nunca é tarde para estudar” já virou lugar-comum. Mas, às vezes, o conteúdo dessas palavras ganha força surpreendente diante da determinação e da vontade de certos alunos. Aos 82 anos, João José Luiz levou essa máxima a sério e aceitou o desafio de encarar, pela primeira vez, um vestibular. Hoje, calouro do curso de arquitetura e urbanismo da PUC Minas, o mestre de obras aposentado integra o seleto grupo de 1,4% dos brasileiros com mais de 60 anos que frequentam escolas no país, segundo o IBGE. Mais que engrossar estatísticas, o mineiro de Abaeté, na Região Central do estado, faz parte de um percentual ainda mais restrito de cidadãos que tiveram a coragem de mandar a aposentadoria às favas, dar asas ao sonho de chegar à universidade e conquistar uma nova profissão.
Filho de uma família de nove irmãos, seu João, como é chamado pelos colegas de sala, foi obrigado a abandonar os estudos aos 9 anos para ajudar o pai nos trabalhos na roça. “Parei no 3º ano do grupo escolar (atual ensino fundamental). Já sabia ler e escrever e adorava a escola, mas tive que deixar tudo para trabalhar na lavoura”, conta ele. O reencontro de João com os cadernos só ocorreu cerca de 15 anos depois, quando ele se casou e mudou para o Centro da cidade de Abaeté para aprender o ofício de alfaiate. “Frequentei a escola por alguns meses, mas essa tentativa de estudar também fracassou. Eu tive uma discussão com um professor e nunca mais voltei ao ginásio. Mas, para compensar, virei um ‘rato’ de biblioteca. Também fiz a assinatura de um jornal e não abri mão de ficar sempre bem informado.
”Na década de 1960, João se mudou para Belo Horizonte com a mulher e os seis filhos pequenos para montar uma alfaiataria. Mas o crescimento das confecções na capital logo ameaçou os negócios da família e ele foi obrigado a buscar uma nova profissão. Matriculado no curso de mestre de obras da Escola Federal de Engenharia, João passou a ganhar a vida no ramo da construção civil. “Nessa época, minha mulher e os filhos brigavam comigo por causa dos estudos. Se faltasse qualquer coisa em casa, eles diziam que a culpa era da escola. Só quando consegui o diploma e montei a minha empresa é que eles me respeitaram”, diz.
Depois de 20 anos como empreiteiro, João ficou viúvo e decidiu fechar a firma. Aos 66 anos, ele apostou num segundo casamento e teve mais um filho. Mas a separação veio logo em seguida e, aposentado, ele foi morar sozinho numa chácara em Betim, na Grande BH. Para driblar a solidão, o antigo mestre de obras voltou a estudar e, em 2006, terminou o ensino fundamental. Dois anos mais tarde, fez um curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e concluiu o nível médio. “Já estava satisfeito com minha formação, mas minha filha Isabel me fez uma surpresa. No fim do ano passado, ela chegou em casa com o comprovante de inscrição no vestibular e disse que, no dia seguinte, eu teria que fazer a prova. Não estudei um minuto sequer e não tinha esperanças de ser aprovado”, conta.

DESAFIOS: Católico fervoroso, João acredita que foi agraciado com um milagre para conseguir vencer a concorrência e garantir a vaga em arquitetura e urbanismo na PUC Minas, no câmpus Coração Eucarístico. Hoje, matriculado no 1º período do curso, ele enfrenta, sem desanimar, desafios maiores que qualquer outro calouro da sala dele. “Eu me misturo com os jovens e juro que me sinto como um deles. Mas a maior dificuldade é o que depende da informática. Eles nasceram conectados à internet e fazem, no computador, coisas que nunca imaginei na vida. E eu ainda estou trabalhando para perder o medo da tecnologia e sei que não vai ser fácil”, diz.
Outro obstáculo que tem tirado o sono do estudante são as mensalidades da faculdade. João já enviou cartas até para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo uma bolsa de estudo, pois, segundo ele, “não é fácil bancar tanta despesa apenas com a aposentadoria”. Mas as dificuldades não são barreiras para os sonhos desse homem, que mantém o espírito jovem e uma memória infalível dos seus mais de 80 anos de história.
“Tenho fé de que vou conseguir me formar e, modéstia à parte, vai ter poucos arquitetos melhores que eu no mercado. Tenho experiência de vida, de profissão e agora estou na universidade adquirindo outro tipo de conhecimento. Mas acredito que meus colegas podem aprender muito comigo também. O que mais quero transmitir para essa mocidade é um bom exemplo de vida e a lição de que um homem de bem corre atrás dos seus ideais, sem se perder no mundo das drogas e da malandragem”, conclui João, que tem dois filhos e oito sobrinhos matriculados na mesma universidade.
(Glória Tupinambás – Jornal Estado de Minas em 27/10/2009)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Adorei receber sua visita!
Ler seu comentário, é ainda melhor!!!
Responderei sempre por aqui.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...